sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Joaninha, a ovelha que mais parecia um cao...

Ao entardecer de uma certa sexta-feira e como acontecia ao entardecer de todas as sextas-feiras, eu, o meu pai e a minha mae, chegàmos ao nosso destino de fim-de-semana. Como muitas de vocês sabem, grande parte da minha infância foi passada em terras ribatejanas, numa pequenita aldeola que nem consta do mapa de Portugal e que se chama Foros da Charneca. 

Chegamos, abrem-se os portoes, estaciona-se o carro e eu corro de imediato visitar a minha avo Custodia e os bichos. A avo Custodia nao era avo de sangue, mas era avo na mesma; e sendo avo para mim, virou avo para a minha mae, para o meu pai e quando dei por ela, ja a avo Custodia era avo para a vizinhança e até avo para a avo de sangue. Enfim, prossigamos...

Como dizia eu, corri visitar a avo Custodia e os bichos la no monte velho. Os bichos! Sempre fui louca por bichos! E nessa certa sexta feira, aguardava-me uma agradavel surpresa! Uma das ovelhas parira!!! Mas a mae ovelha - "ovelha levada dum corno" na linguagem da avo - rejeitou a ovelhita acabadita de chegar ao mundo! A avo esperou, ficou d'olho na ovelhita ali estendida na erva, observando o comportamento da mae ovelha "levada dum corno". Mas a mae ovelha "levada dum corno" nao quis saber da ovelhita acabadita de chegar ao mundo, que ali ficou sozinha, tremelicando de frio, abandonada pela mae. Entao la foi a avo, com aquela paciência que so ela, salvar a ovelhita do abandono!

Nessa certa sexta-feira, conheci a ovelhita. Era feia, de tao suja que tinha a lã! A avo Custodia explicou;  a mae ovelha "levada dum corno" rejeitara a ovelhita e nem sequer lhe lambera o véu, uma fina película que envolve a cria e que é lambida pela mae assim que nasce! Eis a razão da cor acinzentada da ovelhita!

Baptizei o bicho. Chamei-lhe de Joaninha, mas nao me lembro porquê.F icou Joaninha e pronto! E a Joaninha foi crescendo. Arranjou-se um biberão, comprou-se leite em po e a Joaninha foi assim criada, a biberao, por mim e pela avo, entre os gatos e o cao do monte velho!

Ia a Joaninha ja com os seus meses quando nos apercebemos que algo estranho se passava. O bicho mais parecia um cao! Seguia ao meu lado qual cao de guarda quando eu saia do monte velho onde a avo morava e regressava ao meu monte - O Monte da Pedra Branca. E quando estava ja farta do meu Monte, o bicho pisgava-se a correr e parava certinho ao portao do monte da avo. E berrava, berrava, até que lhe abrissem o portao do monte! às vezes escondia-me dela, atràs da grande e velha trepadeira da avo e o bicho chorava; berrava desesperada enquanto eu nao aparecia. E quando me via, apos um momento de desespero, o bicho pulava e dava coices de alegria!

Um dia, andávamos nos - digo eu e a ovelha - a brincar às escondidas quando vi que algo se passava de errado com o bicho! Ao agaixar-se, qual cadela, para fazer a sua mijinha, a Joaninha urinou sangue, sangue puro! Gritei pela avo! A avo correu em nosso socorro! Ficamos olhando a poça de sangue que ali ficara enquanto a Joaninha continuou nos seus pulos enérgicos e divertidos! Eu era miúda, mas percebi imediatamente pela expressão da avo que aquilo nao era um bom sinal!

Na sexta-feira seguinte, como todas as sextas-feiras, corri ao monte velho ver a avo e os bichos! Mesmo antes de chegar ao portão, percebi que algo estava errado. A Joaninha nao berrava de alegria! A Joaninha nao pulava com energia! Nao se via Joaninha em parte alguma! A avo disse-me que nao vira o bicho o dia todo! Meti pés ao caminho e percorri o mato em busca da minha Joaninha! Encontrei-a, estendida entre ervas altas, sem energia, sem alegria, sem vida! 

Joaninha, a ovelha que mais parecia um cao, morreu com apenas alguns meses de idade! A avo, eu, o meu pai, a minha mae, os gatos e o cao do monte velho... todos nos sentimos com tristeza a morte precoce da Joaninha!

A avo arranjou explicação para a morte do bicho. A Joaninha levara uma marrada da vaca brava do monte velho; a ovelha, criada entre humanos, gatos e caes, nao reconhecia nos outros bichos qualquer perigo e aproximava-se sempre descontraidamente. Mas a vaca era brava e dera uma marrada na Joaninha que a rebentara por dentro, dai a poça de sangue!

Eu fiz que sim com a cabeça, que aceitava aquela explicação, mas no fundo nao acreditei. Ainda hoje estou convicta de algo que pode parecer inacreditável mas que os anos passados no Ribatejo me ensinaram! A mae ovelha "levada dum corno" rejeitara a ovelhita, ao que nos parecera, sem razão! Eu ca acho que a mae ovelha "levada dum corno" percebeu imediatamente que a sua cria tinha um problema e percebendo as fracas probabilidades de sobrevivência do bicho, resolveu abandona-la de imediato!

A Joaninha sobreviveu mais alguns meses, com todo o meu amor e o da avo e com a compaixão dos gatos e do cao do monte velho que foram os seus companheiros! Talvez por saber que nao iria viver muito tempo, o bicho foi sempre tao meigo, alegre e divertido!

Joaninha, a ovelha que mais parecia um cao, morreu ha uns 15 anos e ainda hoje, em família, falamos nela! Porque ha momentos e pessoas que nunca se esquecem, ha também os bichos, aqueles bichos, que como dizia a avo, sao igualmente almas cristãs!

1 comentário:

  1. Olá Sofia! Não tenho tido muito tempo para comentar mas tenho vindo quase sempre espreitar o teu cantinho =) Não pude deixar de comentar este post porque eu também tive uma ovelha amestrada na minha infância! Veio do Norte (prenda do avô paterno) mas foi criada no meu quintal em Coruche! Como não vivo no monte, aos Domingos, a Fofinha acompanhava-me a mim e aos meus pais pelas ruas da vila até ao Café. Eu tinha uns cinco anos. Não só marcou a minha infância como também ainda muitos se lembram da famosa Fofinha tal era o insólito da situação. O meu pai que é professor ainda a levou para um teatro na escola! O desfecho também foi triste porque como ela cresceu ja nao a podiamos ter no quintal e o meu pai deu-a a um senhor para a criar! Eu fiquei tão triste e abalada que me lembro de me enfiar na cama como se estivesse muito doente! Foi muito dramático! Coisas que não se esquecem... Beijinhos =)

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