domingo, 10 de junho de 2012

Num misto de melancolia e liberdade...

Sentada no banco do acompanhante, vou absorvendo a paisagem! A estrada recta corta kilometros de planicie. Prados pintados de bege anunciam a chegada do calor do Verao. Chaparros. Vacas e cavalos passeiam-se pelos pastos secos. Volta e meia, um cartaz anunciando nomes como "Rouxinol", "Telles" ou "Bastinhas" para mais uma tourada. É Ribatejo!

Chegamos finalmente ao destino. Silencio! Passagem pelo cemiterio. Uma boa maneira de saber se ela ainda esta viva. Procuramos a campa do marido. A fotografia dele permanece ali e ao lado dela, um espaço em branco! O meu coraçao sorri. Isso quer dizer que ela ainda vive.

Chegamos a nossa rua. Primeira casa, Maria Branca. Vazia. Nao ha sombra de vida. Nao vejo a Estrela, a egua. Nao vejo o cao ladrando e correndo. A vinha, abandonada. Deve ter morrido, penso.
Segunda casa, a dela. Caiu mais uma parte do telhado mas uma boa parte permanece ainda de pe, o que me faz de novo sorrir o coraçao. Vejo os cavalos, mas nao sao os mesmos que conhecera no passado. Procuro o cao. Nada. As cabras. Nada. As vacas. Nem sombra. Olho o portao. Ainda é o mesmo. Tento abrir. Esta trancado. Tenho vontade de pular por cima, como fizera outras vezes. Mas ja nao sou mais criança. E quando ja nao se é criança, ha coisas que ja nao nos sao permitidas. Os contadores da agua foram retirados. Ninguém ja vive ali. Meu coraçao se entristece.
Terceira casa, a nossa. Os portoes sao os mesmos que abri e fechei tantas outras vezes. Olho com atençao e vejo que um deles nao tem cadeado. Quero entrar, quero mesmo, mas nao posso. Ja nao é mais a minha propriedade. Procuro o Alcacer e o Dack, mesmo sabendo que ja la nao se encontram. E as casotas? Também nao. O meu jardim deu lugar a uma piscina, mas nao consigo ver bem! Como gostava de poder entrar e ver melhor! O galinheiro ainda la esta, mas as galinhas nao. As arvores de fruto cresceram e dao lindos frutos. O meu coraçao sorri de novo! A fachada permanece igual. Apenas lhe mudaram a cor. Continua sendo o "Monte Pedra Branca". A mesa esta exactamente no mesmo local onde a deixamos. O mesmo para o banco de jardim. O barbecue. O toldo. Os vasos. Os potes. Ha oito anos que estes objectos permanecem no sitio onde os deixamos. Meu coraçao se entristece. Como amava tanto tudo isto!
Preciso de caminhar sozinha. Deixo-os para tras e sigo a estrada. Quarta casa. Maria Felismina. Nem sombra, nem dela, nem dos netos. Amei tanto o Henrique. De olhos pequeninos, bochecas rosadinhas e labios que pareciam pintados, ele imitava com 4 anos, um forcado preparando-se para a pega! Era um ribatejano em miniatura! Uma delicia! Faço contas. Ja deve ter 17 anos. E o meu coraçao se entristece de novo!
Continuo. Maria Eliziaria. Sim, parece que ainda por la esta. Mas nem sombra do cao. Nem dos gatos. Maria Rosa. Nada. Ninguém. Dizem-me que morreu.
Nao quero continuar mais. A parte mais importante de tudo aquilo nao existia mais! As gentes que eu amava, os animais que eu acarinhava, os terrenos outrora cultivados... nada existe mais hoje!

Pegamos no carro. Passamos pelo cafe da aldeia. Fechado. Para venda. Triste. Vou à procura de informaçoes dela em casa do seu filho. Nao esta ninguém em casa, mas avisto-o na vinha. Pergunto se posso falar com ele. Diz que sim e aproxima-se. Ja de perto, pergunta "É a Sofia?". O meu coraçao sorri! Ja la vao oito anos e ele recorda-se de mim! Alegria! Diz que a mae esta boazinha, que vive em casa da outra filha, que tem 85 anos e da-me o numero de télémovel para que a possa contactar. Oito anos depois vou poder ligar à minha avo Custodia e mostrar-lhe que nunca me esqueci dela. Nao poderia! E vou ligar-lhe muitas vezes, mesmo da Suiça! Sera minha maneira de agradecer todo o amor que me deu durante tantos anos! Consigo sentir o seu cheiro... Amo-a ainda tanto!

Regressamos a casa. Peço para ir no banco de tras. Preciso de estar sozinha! Despeço-me da paisagem ribatejana com o coraçao apertado. A banda sonora é um fado, que contribui para a melancolia e saudosismo que vou sentindo! Tenho Portugal no sangue, nao ha nada a fazer contra isso...

Sou apologista de revisitar volta e meia o passado. Acredito que isso nos permite fechar definitivamente algumas gavetas que permaneceram entreabertas. Ao visitar o meu monte, percebi que amei o que ele outrora foi, nao o que é hoje. Que fui feliz, muito feliz, num lugar e tempo que nao existem mais. Pude despedir-me e é pouco provavel que la regresse novamente. Ja nao faz mais sentido.

No bolso, o numero de telemovel da minha avo Custodia. No coraçao, a certeza de que arrumei mas uma gaveta e posso finalmente fecha-la para sempre.

Hoje larguei amarras de mais um pouco do passado. E é por isso que hoje estou nisto, num misto de melancolia e sentimento bom de liberdade...


2 comentários:

  1. Quase deixar queimar o jantar por nao conseguir parar de ler o teu post :)
    Este é mais um post onde quase conseguimos ver o que descreves e sentir o que sentes. No fim fica-se com uma vontadinha de chorar... Mas fico feliz por saber que essa gaveta ficou arrumada e o teu coraçao em paz. Era algo que tinhas mesmo de fazer e just do it... Ta feito amiga. Continuacao de boas ferias
    SR

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  2. Oi amiga
    Mais uma vez a pele fica arrepiada ... os olhos enchem-se ... e relembro a tua historia mas na minha pessoa ... como as coisas mudam com os anos e como as pessoas fazem parte de um momento ... e se elas não estão!? o espaço já não é o mesmo ... sem magia ... porque afinal são as pessoas que o tornam especial... enfim ... saudades de ser pequena e de viver o que vivi! Boas férias miga e bom regresso beijinhos Tânia

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